terça-feira, 24 de julho de 2012

Maravida




"Quero meu peito repleto
de tudo que eu possa abraçar"
Gonzaguinha

O que antes me faria fugir, me fez de corpo inteiro no meio. Na beira não finquei. Quis ser por dentro. Ao centro me seduzir. Ao mar me enlaçar. 
A força brota da ausência do medo. Da convicção que só há ganhos quando o caminho é sentir. 
E estar a qualquer distância não assusta. 
Na vontade de tudo querer abraçar, desmedido é o ser. Coração pulsa e quer ser inteiro. No certo ou incerto: ser inteiro coração. Encontrar o que me encontrar. 
Cansaço de tentar enquadrar tudo quietinho no sempre igual. Nos bons medos de sempre; nas cautelas que amarram entregas, que afastam essências. 
Cansaço de procurar anunciações das dores e felicidades. Anunciadas ou não, elas sempre chegam. Tentar controlar é matar o prazer do embalo e se consolar na ilusão.
Cansaço de qualquer tentativa de precisão. Da exatidão do pé ponta de pé até o outro lado sem nada revelar. 
Deixa livre pra ser grande. Deixa tudo sem tempo, sem linhas, horizonte, arestas.
Deixa crescer no infinito. 
Quero só a paz de nada medir.
E de uma música faço reza pra abençoar o caminho - que seja sempre só amor. 
Tomara.


"Caminho se conhece andando" 
Chico César

Disritimia




E por quase bem-me-querer, quase malmefez ao partir pra lar de outras 
                                                  Eu que estranhei ser dois, estranhei mais ainda sua ausência.



Ensaiei refrão pra cantar a um bem que não veio.
Um bem que me acordou pra enviar vontades, mas esqueceu de chegar. Que abriu a noite na minha janela e nos olhos meus - descobriu cores suas. E de tanto reclamar tamanho, encontrou em mim seu espaço: guardei seu cansaço, seu sono leve, seu sonho breve. 
Quis proximidades quando você já estava distante demais para me enxergar. E lá, bem pra lá, se fez enfim longe de mim. Você: quem primeiro cumpriu as nossas sem promessas e as sem juras de um querer sem destino. 
Partiu carregando todos os caminhos de ida, todos os caminhos de volta. Todos os sinais de vida. 
Me deixou sem esperas e sem chance para os meus apelos.
E eu, que distante estava, distante fiquei. 
Mais uma vez.




quinta-feira, 19 de julho de 2012


Vivo hasta el fin el secreto de mi semilla.

Árvores

As árvores sempre foram para mim os oradores mais convincentes. Eu as venero entre suas famílias e povos, as florestas e os bosques, mas, ainda mais as adoro quando estão a sós. Então são como os seres solitários, mas não como eremitas que por causa de alguma fraqueza se isolaram, mas como os grandes homens solitários: como Beethoven e Nietzsche. Em suas copas cicia o mundo, suas raízes jazem no infinito. Solitárias, elas não se perdem, senão com toda a força de seu ser procuram a única meta, preencher a sua própria lei desenvolvendo suas formas e se auto-representando. Não existe nada mais santo, mais exemplar do que uma bela e forte árvore. Quando uma árvore é cortada e seu ferimento mortal fica exposto ao sol, então é possível ler-se em seu toco, que ao mesmo tempo lhe serve como lápide, toda a sua história. No cerne e nas ramificações encontra-se fielmente descrita toda a luta, todo o sofrimento, todas as doenças, toda a felicidade e todo seu desenvolvimento nos anos ruins e nos anos fortes, nas agressões e nas tempestades sobrevividas.(...) Quem sabe como falar-lhes, ouvi-las, esse conhece a verdade. Elas não pregam ensinamentos e receitas, pregam isoladamente a primária lei da vida.
Uma árvore diz: eu trago em mim uma luz, um pensamento, um âmago, pois eu sou a vida da vida eterna. (...) Vivo o segredo da minha semente até o fim, além disso nada mais me preocupa. Eu tenho a certeza de ter Deus em mim e que a minha missão é santa e dessa confiança vivo. (...)
Quem já aprendeu a ouvir uma árvore não deseja mais ser uma, não desejará ser nada mais do que é e isso é a pátria, a felicidade.


Hermann Hesse - Caminhada